sexta-feira, julho 27, 2007

Wall Street: Sinais de alerta avolumam-se, prenunciando crise financeira global...

Wall Street, a toda-poderosa e omnipresente capital financeira da globalização, começa a dar sinais de um tsunami, que inevitavelmente arrastará consigo, os mercados financeiros mundiais, num estrepidante e incontrolável efeito dominó.
Eis alguns factos que apontam nesse sentido, a despeito do hoje anunciado crescimento do PIB americano e dos valores históricos da bolsa nova-iorquina, várias semanas após se terem aventurado a atingir os 14 mil pontos. Para alguns, menos atentos, repentinamente, ontem, os mercados de capitais norte-americanos, entraram num perigoso plano inclinado da sua evolução, invertendo todas as tendências aparentemente positivas, e não existem travões que lhe resistam.
Os três maiores índices bolsistas – Standard & Poor’s 500 (índice de acções cotadas em Bolsa), Dow Jones (DJIA/média de desempenho das indústrias cotadas na bolsa tradicional de Nova Iorque/NYSE) e o Nasdaq Composite (vulgarmente conhecida como a bolsa tecnológica dos EUA, mais especulativa e volátil que o DJIA) caíram ontem 1.5%, com as maiores quedas a registarem-se na última meia hora das transacções em Bolsa. Os preços do petróleo não refinado (crude oil) subiram 3%, fechando a USD 77.02, apenas 1 cêntimo abaixo do seu recorde histórico (New York Times, 27/07/2007).
A maior empresa de crédito hipotecário do país, Countrywide Financial, no dia 24, tocou os sinos a rebate ao revelar que um número crescente de clientes não estava a conseguir cumprir o pagamento das prestações dos créditos contratados e que o mercado imobiliário dava sinais de entrar numa fase de recessão. A recuperação poderá só acontecer em 2009, devido à acentuada depreciação dos preços dos imóveis, que ultrapassou as piores quebras registadas nas últimas décadas (New York Times, 27/07/2007).
Era de prever face à evolução dos princípios fundamentais que permitem uma avaliação realista, sem cosméticas político-estatísticas, do funcionamento de uma economia, a saber:
  • Equilíbrios nas áreas real e monetária da economia;
  • Vectores orçamentais e monetários das políticas em execução;
  • Saldo orçamental e dívida pública;
  • Exposição à competitividade de mercados concorrentes no âmbito regulamentar do comércio internacional e saldo da balança comercial (défices vs.superávits)
  • Interdependência e interacção entre os mercados de bens, serviços e capitais;
  • Balança de pagamentos (composição e estrutura);
  • Política cambial/Taxas de câmbio (nominais e reais);
  • Evolução da paridade absoluta e relativa do poder de compra bem como da paridade descoberta das taxas de juro;
  • Evolução do mercado de câmbios e funcionamento dos regimes cambiais;
  • Outros indicadores: FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo); IDE (Investimento Directo Estrangeiro); Investimento Público e Privado; Consumo; Desempenho sectorial dos diversos sectores da economia; inflação, desemprego, entre outros
Assim, para quem, de facto, estava de olho nos fundamentais dos mercados estadunidenses, apenas ficou surpreendido por este pequeno tremor de terra (grau 3/4 na escala de Richter) ter acontecido só agora, e não em 2005/2006, quando já eram bem visíveis alguns sinais preocupantes nos fundamentais atrás referidos.

A dívida pública pendente do governo federal liderado por George W. Bush e Dick Cheney em 28/07/2007 às 03H33 TMG era de

$ 8 916 109 925 205,91

A população estimada dos EUA é de 302 547 509. Assim, cada cidadão americano que nasceu neste preciso momento já reparte com os seus concidadãos uma quota-parte da dívida no valor individual de 29 470, 12 dólares. A dívida do ex-país mais rico do mundo aumenta diariamente a uma média de 1 360 milhões de dólares desde o dia 29/09/2006…

Perante isto, passemos aos 2F's: Factos e Fundamentais
a) Défice público federal a galopar em dois anos (2005/2006) dos 7 para perto dos 9 biliões de dólares (1 milhão de milhões em Portugal = 1 trillion/trilhão nos EUA/BR);
b) Sucessivos défices orçamentais acumulados desde o início das guerras no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003) e o consumo obsessivo-compulsivo de toneladas de recursos financeiros para alimentar o voraz Complexo Industrial-Militar;
c) Défices constantes no comércio EUA-China (cerca de 70 mil milhões de dólares/mês ou billions/bilhões EUA/BR);
c) Desde 2002 alguns analistas, como Dean Baker, Jon Tasini entre outros, e mega investidores/ especuladores como George Soros, Warren Buffet, mais duas mãos cheias de outros quejandos, chamavam à atenção para os perigos de uma implosão do mercado provocada por uma nova e ameaçadaora bomba-relógio, apelidada de bolha imobiliária a qual, desde então, assumiu proporções ainda mais dramáticas;
Todavia, ao melhor estilo americano, os mercados funcionavam num intrigante ritmo de "business as usual", indiferentes a outros sinais não menos preocupantes:
  • Estagnação dos salários e queda do poder real de compra;
  • Refininanciamento crescente das famílias através do crédito hipotecário para suprir necessidades quotidianas de liquidez;
  • Aperto da concessão de crédito hipotecário às classes média e média-baixa proporcionalmente correspondente à elavada taxa de incumprimentos;
  • Os que perderam para os credores as suas garantias reais - apartamentos, moradias, etc. - estão na primeira linha de candidatos à inevitável onda de despedimentos/lay-offs que se perfila num horizonte não muito longínquo;
  • Ainda segundo o NYT, num artigo da responsabilidade de Andrew Ross Sorkin, aflora-se a possibilidade de “a turbulência nos mercados da dívida poder abrir caminho para fusões estratégicas, que usarão liquidez e acções em vez de dívida, embora as empresas também possam optar em segurar as suas tesourarias.” (27/07/2007);
  • Tasini, porém, considera que as "fusões estratégicas" sobretudo quando resultam da reacção a uma crise tem como primeira consequência "os despedimentos para libertar os fundos necessários para o financiamento da operação. De imediato os presidentes dos conselhos de administração marcam pontos, os bancos e as sociedades de advogados cobram, respectivamente, gordas taxas pelos serviços de engenharia financeira e honorários, enquanto milhares de famílias ficam arruinadas."
  • Afinal de contas os bancos tem como "core business" viver dos juros do capital que emprestam aos seus clientes e os advogados cobram os seus serviços para os livrar de problemas, como pagamentos de indeminizações, confiscos e arrestos de bens e, portanto, prosperam nas crises alheias.
  • Ao caírem as primeiras peças do dominó, em Nova Iorque, os mercados asiáticos e europeus, acompanharam a tendência depressiva. Na região Ásia-Pacífico o primeiro resultado negativo foi atingido pelo índice de referência bolsista japonês Nikkei, que caiu 2,4%, mas o efeito cascata provocou quedas ainda mais abruptas nos índices de Taiwan/Taiex (- 4,2%) Singapura/SST(- 3,2%) e de Hong-Kong/Hang Seng (- 2,8%). Imperialmente a China nem se mexeu, fechando estável.
  • Os sectores mais atingidos foram os que dependem, sobretudo, do comportamento dos consumidores anericanos: fabricantes de semicondutores, automóveis e equipamentos electrónicos sofreram, por esse motivo, perdas significativas no valor dos seus títulos.
  • Enquanto os fusos horários iam abrindo novos mercados o resultado era igualmente o de uma estrepitosa derrapagem com danos variáveis consoante os países: perdas superiores a 2% registaram-se em Espanha, França e Alemanha; Portugal (-3%, média da semana) enquanto o Reino Unido, Argentina, México e Brasil caíram mais de 3%.
  • A depreciação do dólar face ao euro parece uma tendência que se irá manter nos próximos tempos, tendo fechado ontem a 1 EUR = 1.36484 USD;

Estamos quase em Agosto de 2007. Em 1929, a Grande Depressão aconteceu no tradicionalmente fatídico mês de Outubro, mas houve um pico no valor cotações no dia 3 de Setembro. Em cerca de um mês a queda média do mercado accionista de Wall Street foi de 17%. Mas o pior estava para vir. No dia 24 - a 5.ª feira negra - foram transaccionadas 12,9 milhões de acções, um recorde nunca antes atingido. O pânico instalou-se com a esmagadora maioria dos investidores a querer sair do mercado a qualquer preço. Na 2.ª feira, dia 28, o índice Dow Jones voltou a registar perdas significativas (- 13%). O dia seguinte - a 3.ª feira negra (29/10/1929) - ficaria na história como a maior catástrofe financeira mundial (só ultrapassada 40 anos mais tarde) com a venda de mais 12,4 milhões de acções. Nesse único dia a bolsa nova-iorquina registou um prejuízo descomunal para a época: 14 mil milhões de dólares arderam entre as 08H00 e as 16H00. Nessa semana as perdas acumuladas chegaram aos 30 mil milhões de dólares, 10 vezes mais do que a totalidade do orçamento anual federal daquele ano, e muito mais do que custara ao Tesouro americano as despesas contabilizadas com a I Guerra Mundial...

Ontem, citado pelo NYT, Tobias Levkovich, estrategista-chefe do Citigroup dos EUA para a gestão de patrimónios reconheceu que "existe potencial para que o medo se transforme em pânico" ao comentar os recentes acontecimentos. "Contudo, transforma-se rapidamente em realidade porque acontece na dinâmica do mercado", concluiu.

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Pedro Varanda de Castro

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