Para o consultor, inteligência competitiva é um instrumento fundamental para a diferenciação das companhias.
Entrevista de Davenport ao portal brasileiro IT Web (reprodução integral)
Em algum momento, você já escutou o nome de Thomas H. Davenport – ou apenas Tom. Presidente em tecnologia e gestão de informação no Babson College, o consultor é autor de diversos livros e artigos. O mais recente – Competing on Analytics –, publicado na Harvard Business Review em 2006, deu origem ao livro que leva o mesmo nome e no qual ele mostra como companhias construíram seus negócios usando sua habilidade de coletar e analisar dados para tomarem decisões com base neles. É o que ele chama de competição em inteligência analítica.
InformationWeek Brasil - Gostaria de entender melhor o conceito de competição baseada na análise dos dados e sua diferença para a inteligência analítica?
Thomas Davenport - Basicamente, a análise sofisticada dos dados existe há muito tempo, mas era mais algo de back office e não voltada para a estratégia. Quando comecei a fazer este estudo, notei que algumas das organizações com as quais eu estava falando tinham seu plano estratégico baseado em análises; isto era algo que estava claro para elas, que você podia ler no balaço anual e sobre o que elas falavam com analistas de Wall Street: “nós seremos a melhor companhia de cartão de crédito ou seguradora por causa da nossa capacidade de análise”. Então, para mim, as empresas que estão usando esta análise para competir deveriam incluir isto em seu negócio.
IWB - Criar um departamento?
Davenport - Sim. Ou, em alguns casos, subdepartamentos, divisões ou pequenas unidades de negócios.
IWB - E isto seria algo como o conceito de as empresas criarem um Business Intelligence Competency Center (BICC)?
Davenport - Algumas companhias vão nesta direção e eu acho uma boa idéia. O Wal-Mart criou um centro de excelência em análise. Estes grupos BICC têm várias funções: algumas vezes são mais educadores, outras, voltados para consultoria para os usuários e para como eles resolvem questões relacionadas a análises.
IWB - Este é um conceito difundido nos Estados Unidos ou que ainda está começando?
Davenport - Li um artigo que apontava que 40% das empresas dos EUA possuíam um BICC. Mas todos com quem eu conversei acreditam que este número está muito alto. Eu estaria surpreso se 5% das grandes companhias tiverem BICC nos EUA. A AT&T tem, mas eu gostaria de ver outras iniciativas.
IWB - Como você compara a adoção da inteligência analítica nos diferentes segmentos?
Davenport - As primeiras indústrias a pensarem nisto foram as companhias aéreas e os serviços financeiros, pois ambos têm muitos dados e precisam tomar decisões complexas. Em serviços financeiros, estava relacionado a quais tipos de investimentos fazer. Isto em meados da década de 1980. Já as companhias aéreas começaram, no início desta mesma década, para saber como maximizar os lucros, fazendo o avião decolar com o maior número possível de lugares ocupados. Atualmente, não consigo lembrar de alguma indústria que não utilize esta análise. Há setores de negócios evoluídos, como o de alimentação e varejo. O Wal-Mart não está tão bem quanto a [loja de departamento] Tesco, pois não tem, por exemplo, um cartão fidelidade para saber quem está comprando seus produtos. O problema de algumas indústrias tem sido a falta de acesso aos clientes, porque vendem por canais. A automotiva, raramente, sabe quem são seus clientes; a Coca-Cola também não tem idéia de quem bebe seus produtos. Ela sabe quem são os revendedores, mas não tem informações sobre os clientes finais. No entanto, isto começa a mudar. A Coca-Cola criou um website para os clientes se cadastrarem em um programa de lealdade.
IWB - E é imprescindível para a Coca-Cola identificar seus clientes finais?
Davenport - Isto está apenas começando. Um número grande de companhias business to business, como a Coca-Cola, decidiram que o futuro envolverá promoções e conhecimento diretos sobre e para seus consumidores.
IWB - Qual é a importância do conceito de competição em inteligência analítica para os CIOs?
Davenport - É bem importante, porque eles têm de entregar um ambiente analítico da perspectiva tecnológica. Os CIOs mais sofisticados também estão interessados em saber como criar uma cultura mais focada em informações e decisões tomadas a partir da analise de dados. Historicamente, eles estão mais orientados a um ambiente transacional, mas isto começa a mudar para uma plataforma mais inteligente.
IWB - Estaríamos passando da era da informação para uma era analítica?
Davenport - Eu espero que sim. Sempre argumento com os CIOs que a primeira preocupação deles deveria ser a informação. É lógico que não se pode abandonar a tecnologia, mas eu faço uma analogia com o encanamento de água. Os CIOs focados apenas em tecnologia estão conectando apenas canos e válvulas, enquanto as pessoas que bebem a água estão mais preocupadas com a qualidade do que elas estão tomando, ou seja, com o que sai dos canos. É o que acontece com os usuários.
IWB - Como está a adoção deste conceito nos diferentes países? Você tem conhecimento sobre o Brasil?
Davenport - De uma maneira geral, os Estados Unidos têm as indústrias mais desenvolvidas neste conceito. Não tenho um conhecimento profundo de como estão as empresas no Brasil ou na América Latina, mas não estão muito desenvolvidas. A Europa também não, mas isto está começando a acontecer. Os EUA são os primeiros, Canadá e Reino Unido, provavelmente, segundos; os países escandinavos são bem agressivos. As companhias japonesas não têm este foco evidente. Mas é algo que vai crescer globalmente.
IWB - Que tipo de ferramentas suportam a competição em inteligência analítica?
Davenport - Sistemas transacionais como ERP provêm muitos dos dados, o data warehouse permite acesso aos dados e as ferramentas de business intelligence (BI) que você acesse e analise os dados.
IWB - Seria um uso maior de BI que de business performance management (BPM)?
Davenport - Sim. Performance management é o sistema que processa ou entende e maximiza o desempenho de uma companhia. Não é tipicamente o processo operacional, mas sim o desempenho financeiro: como eu entendo o comportamento do meu faturamento no trimestre passado ou como meus lucros foram por origem ou produtos etc. Não é uma ferramenta analítica, mas só de relatórios.
IWB - Como avaliar se as informações inseridas nos sistemas são as mais adequadas e qualificadas?
Davenport - Não sou um especialista em qualidade dos dados. Sei a importância disto e creio que qualquer um que queira ter um alto nível da qualidade dos dados tem de olhar para todo o processo de criação e interação da informação. Em muitos casos, você realmente encontra dados que são inseridos por pessoas desqualificadas. É parte do negócio fazer com que os profissionais envolvidos saibam a importância do processo, para ficarem alertas de que uma informação errada causará danos.
IWB - Diz respeito também a treinamento.
Davenport - Parte disto, sim, envolve treinamento de pessoas. É ter certeza de que somente certos tipos de dados podem ser inseridos nos sistemas.
IWB - E como fica a questão do fator humano na colocação e análise dos dados?
Davenport - O fator humano me interessa muito. Sou sociólogo de formação, então, o que eu estava mais interessado era a capacidade humana de fazer boas análises, assim como software. Mas, mesmo com os softwares, a maioria dos casos ainda requer alguém para fazer a parte analítica e identificar o que está acontecendo, bem como fazer as projeções.
IWB - Os profissionais que se dedicam à análise dos dados devem responder para o diretor de TI, diretor-financeiro ou outro?
Davenport - Há várias possibilidades. Na Procter& Gamble, por exemplo, o grupo mundial de análise está embaixo do CIO. Outras companhias também usam este modelo, como o Wal-Mart. Mas também pode ser responsabilidade de marketing, assim como a parte de performance management pode ficar com o CFO. Não acredito que para ser bem-sucedido sempre tem de ficar embaixo do CIO. Mas no estudo vi que, mesmo em companhias nas quais os analistas estavam em funções não relacionadas com TI, eles tinham de ter bom relacionamento com TI. No Marriott, os analistas são da área financeira ou do marketing, mas estão muito próximos com a TI e, de fato, eles nem falavam comigo sem a presença do parceiro de tecnologia.
IWB - Como se adota na companhia esta visão?
Davenport - Necessita sempre de um líder patrocinador, um executivo sênior como o CEO, que determine a maneira de trabalhar e deixe claro que é assim que a companhia vai competir. É preciso contar com profissionais qualificados e montar um sistema. O mais difícil é fazer isto sem o suporte do executivo.
IWB - Qual é o seu conselho para as companhias que não tiram o melhor proveito de sistemas como o business intelligence?
Davenport - Temos de começar a pensar em uma plataforma de inteligência como uma plataforma separada. Falamos em plataformas de negócios e sistemas de gestão integrada (ERP), que são, basicamente, transacionais. A maneira como fazemos estas coisas funcionarem não é somente colocando tecnologia, mas mudando os processos de negócios. Eu acredito que o único caminho para chegarmos a esta plataforma de inteligência é começar a pensar em qual tipo de decisão a organização quer e que tipo de informação ela precisa.
Fonte: IT Web