segunda-feira, junho 18, 2007

Iraque: Gorbachev critica Bush. Acusa-o de egoísmo e sugere soluções sensatas

O desenvolvimento de uma estratégia para a retirada das tropas é a única ajuda real que o presidente George W. Bush pode dar ao Iraque, e pôr termo aos erros sucessivos cometidos pela administração americana desde a invasão daquele país, ignorando arrogantemente os conselhos de muitos governos, alguns dos quais seus aliados tradicionais, escreveu Mikhail Gorbachev, num artigo de opinião, publicado na edição de ontem do jornal canadiano, The Star.
O antigo presidente da desmembrada União Soviética (URSS) revela “constar que a administração [Bush-Cheney] está a avaliar a possibilidade de, no próximo ano, reduzir para metade o número das tropas americanas no Iraque, bem como terminar as missões de combate substituindo-as por acções de apoio e treino. (…) A Administração iniciou contactos com os vizinhos do Iraque, Irão e Síria. Assim, mesmo aqueles que persistem nos seus erros e ilusões são compelidos a repensar ou, pelo menos, a refazer o embrulho das suas políticas.”
“Mas será isto uma verdadeira mudança para melhor? Uma luz ao fundo túnel?”
interroga-se o ex-líder soviético para, peremptoriamente, responder: “Não.” Gorbachev considera que “a chave para se entender a situação (…) é simples. O Iraque está ocupado por tropas americanas.”
As mudanças institucionais – eleições, novo parlamento, novo governo – não mudaram nada de essencial, sustenta o ex-líder do Kremlin. “Milhões de iraquianos – prossegue – vêem a ocupação como uma humilhação nacional. Isto alimenta conflitos sectários, rixas entre civis e a continuação da instabilidade.”
Sobre a táctica do presidente Bush, o pai da glasnost e da perestroika considera-a, no mínimo, oportunista e enganadora. “Bush acusa os terroristas (que por acaso não tinham no Iraque um refúgio seguro, antes da invasão) e exorta os vizinhos do Iraque e a comunidade internacional a cooperarem na tarefa de estabilização do país. (…) De facto, a maior parte dos parceiros internacionais dos EUA (…) – mesmo os que condenaram a invasão – estão prontos para cooperar. Durante uma conferência realizada recentemente em Sharm el-Sheikh, no Egipto, foi acordado o perdão de 30 mil milhões de dólares da dívida iraquiana. Esta decisão foi apoiada pela China, Arábia Saudita, Espanha e por outros países participantes. Antes desta conferência, já a Rússia aceitara perdoar a maior parte da dívida iraquiana. Por isso, não há razão para acusar os membros da comunidade internacional de não entenderem a importância de um Iraque estável. Porém, a administração Bush parece usar esta aparente atitude construtiva para fins egoístas. Em lugar de pedir aos seus parceiros para ajudarem o Iraque, recusa-se a pôr em prática a única coisa que realmente ajudaria aquele país: desenvolver uma estratégia para a retirada.”
Gorbachev
, no artigo de opinião publicado pelo jornal de Toronto que temos vindo a citar, considera a desocupação militar do Iraque como “inevitável”, mas insiste na dúvida sobre a noção de timing por parte do Pentágono e da Casa Branca: “Não seria melhor retirar quando os actores principais, dentro e fora do Iraque, estão de acordo relativamente às questões principais?” questiona.
O artigo longe de abordar a questão pela análise crítica e desassombrada à política externa e de defesa dos Estados Unidos, vai mais além e sugere um conjunto de ideias e soluções, que revelam um estadista com visão e bom senso.
“Em primeiro lugar, para assegurar a manutenção da ordem é não apenas concebível como necessária a substituição das tropas americanas por soldados de outros países, cuja presença evite ressentimentos no seio do povo iraquiano. Tal missão deveria ser aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU. (…) Ninguém deve temer a internacionalização do problema iraquiano; No fim de contas, todas as partes ganhariam com isso.”
Após criticar abertamente a política americana, durante e após a guerra URSS-Afeganistão, acusando Washington de não ter cumprido as promessas feitas previamente à retirada das tropas soviéticas, bem como de ter ignorado os seus avisos relativamente aos perigos que resultariam da instabilidade e do caos na região – dando como exemplo os atentados de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque e Washington – Gorbachev conclui o seu artigo, com reflexões avisadas, oportunas e pertinentes:
“Há quem possa discordar de analogias históricas, como entre o Vietname e o Afeganistão, sustentando que não são comparáveis. É verdade que cada conflito tem as suas características próprias, mas muitas das respectivas lições, são semelhantes.
“Pensem longa e arduamente antes de tentarem resolver qualquer problema pela via militar. Discutam até à exaustão, e reflictam até sobre hipóteses aparentemente inconsequentes ou irreais, procurando caminhos que viabilizem uma solução por meios pacíficos. Se, no entanto, uma grande potência cometer o erro de se envolver num conflito armado, não deve piorar a situação por, arrogantemente, se recusar a dar atenção aos avisos de terceiros sobre as terríveis consequências dos seus actos.
Finalmente, e ainda mais importante, deve ter-se a percepção, logo no início, de que tais conflitos só serão resolvidos através de soluções políticas. Tentem-no honestamente, não pensem de forma egoísta e tenham uma visão de longo e não de curto prazo.”

Nota final:
Mikhail Gorbachev desempenhou o cargo de líder da União Soviética entre 1985 e 1991, ano em que foi afastado do poder por Boris Yeltsin, e que marcou o princípio do fim do império soviético. Em 1990 foi laureado com o Nobel da Paz. Actualmente ocupa-se com a actividade da Fundação Gorbachev, presidindo aos destinos da sua organização âncora: a Fundação Internacional para Estudos Políticos e Sócio-Económicos.